A Terra das ilusões perdidas
 



Contos

A Terra das ilusões perdidas

Michele Vaz Pradella


Depois de um dia de trabalho exaustivo, cheguei em casa contando os segundos que me separavam do chuveiro e, em seguida, da minha cama. Mal sabia que só teria uma boa noite de sono no dia seguinte. Assim que entrei no quarto, uma figura aguardava, sentada na poltrona perto da janela. Se eu não fosse suficientemente adulta, seria capaz de jurar que se tratava do...

- Papai Noel, minha cara. Esse mesmo que você está pensando. Não lembra mais de mim?

- Hahaha, tá bem, vovô, te dou cinco minutos pra explicar como entrou na minha casa. É só o tempo de eu ligar pra polícia.

- Laurinha, meu doce, você costumava me receber melhor antigamente. Fazia até desenhos pra mim, deixava perto da árvore de Natal, para que eu trocasse por um presente bem bonito. Bons tempos...

- Tá, digamos que você seja o Papai Noel, que eu não tenha ficado maluca e que essa coisa toda seja real. Primeiro, cadê minha casa da Barbie? E segundo, o que você quer comigo? E a essa hora, poxa, tô cansada!

- Vim te buscar pra fazer um passeio. Pra te lembrar de algumas coisas que a vida real te fez apagar da memória. Prepare-se para conhecer a Terra das Ilusões!

- Oi? Que história é essa de...ahhhhhhhhhhhhhh!

Uma espécie de redemoinho arrebatou Laura e o velho visitante. Ainda tonta, ela pensou estar sonhando quando chegou a uma espécie de labirinto, com portas giratórias e ramificações que pareciam confusas, mas ao olhar melhor, percebia-se uma organização em quatro grandes salões.

Laura olhou para baixo e viu que o chão era pavimentado com quadradinhos amarelos, parecidos com os caminhos que levavam a uma terra distante, que Laura amava revisitar em livro e filme. Vencida pelo cansaço e curiosidade, resolveu embarcar na loucura do velhinho e perguntou:

- Esses tijolos amarelos parecem...

- ...a estradinha de O Mágico de Oz, que você adorava imaginar quando era criança. Lembra que até pediu um sapatinho vermelho igual ao da Dorothy de Natal? E eu te dei. De nada.

- Não é possível. E o que tem naquele primeiro corredor? - perguntou, apontando para o salão mais colorido e barulhento de todos.

- Ali estão todas as suas ilusões de infância. É onde eu moro, inclusive, em um quarto confortabilíssimo.

Laura começou a percorrer o salão. Quase esbarrou em duendes que brincavam de pega-pega. Ao olhar para o alto, percebeu por que era tudo tão iluminado: pequenas fadas esvoaçavam, brilhantes e felizes. Olhando ao redor, viu outras figuras conhecidas. A Fada do Dente trocava confidências com uma sorridente Cuca - bem diferente da vilã que povoava seus pesadelos. O Saci passou correndo com os ovos do Coelhinho da Páscoa. Laura balançou a cabeça, tentando acordar daquele sonho maluco ou, pelo menos, colocar as ideias em ordem.

- Chega, aqui tá muito movimentado pro meu gosto. Não lembrava que tinha tantas ilusões quando era criança.

- Sim, querida, você tinha tanta imaginação... Vou te poupar da Sala dos Pesadelos, onde estão os fantasmas, vampiros, palhaços e aquele que mais te assustava: Chucky, o brinquedo assassino.

- Credo! Desses eu quero distância. Já que estamos aqui, qual é a próxima sala?

- Tá vendo aquele grupo de pagode tocando na porta? Ali, do lado do Leonardo Di Caprio e do Brad Pitt?


- Ai, lindos! Nem precisa falar, são as minhas ilusões adolescentes. Vou ali ver se encontro mais algum gatinho.

- Tem certeza? Teus ex também estão lá.

- Deixa pra lá. Próxima porta!

- Ali, segura na mão de Deus e vai. É a porta das ilusões adultas.

- Vixi, a estradinha de tijolinhos amarelos sumiu, tá uma buraqueira aqui. Espera aí, esse é o meu quarto. E ali ao lado, minha mesa de trabalho, ui, daqui a pouco o chefe aparece, me tira daqui!

- Calma, olha bem ao redor.

O quarto parecia com o seu, mas tinha algo diferente. Gatinhos — agora, os de quatro patas — se espreguiçavam ao longo do tapete. Um cachorrinho pug e um golden retrivier dormiam profundamente junto à janela. E por falar em janela, ao chegar perto, Laura avistou o mar, azul e convidativo, a poucos metros dali. Voltou a se aproximar da mesa de trabalho, percebeu que estava repleta de prêmios e troféus. Ao lado do computador, três livros cuja autora ela conhecia bem: Laura Motta. Ela mesma.

- Todas as minhas ilusões de ser uma escritora de sucesso, morar perto da praia, ter muitos animais e fazer meus próprios horários. Tudo aqui, mas a realidade é bem diferente.

- Calma, menina, ainda não vimos a última sala. É a melhor de todas.

Ansiosa, Laura deu os primeiros passos em direção a um cômodo...vazio!

- Como assim? É pegadinha, Papai Noel?

- Não, é o futuro. O que você vai colocar aí, só depende de suas escolhas, e da vontade de fazer diferente. Aproveita, recupera aí dentro de você a imaginação da infância, a ousadia da adolescência e enche essa sala com os sonhos da vida adulta. Mas desta vez, na vida real. Boa sorte! Ah, e desculpa pela casa da Barbie, na época era muita demanda por esse produto, sabe como é...



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Jornalista de formação, leitora e escritora por paixão. Formada em 2006 pela PUCRS, é uma "estudante profissional", já que nunca conseguiu passar muito tempo longe da sala de aula. Com duas certificações adicionais pela PUCRS - Escrita Criativa e Língua Inglesa - e uma pós-graduação em Jornalismo Digital, ainda acalenta o sonho de cursar a faculdade de Letras, ainda que apenas por realização pessoal. Leitora voraz, gosta de se aventurar por vários gêneros, da saga Harry Potter aos romances de Jane Austen, do suspense de Stephen King a narrativas de não-ficção. Desde 2010, atua como repórter do jornal Diário Gaúcho, mantém as colunas Noveleiros e Literalmente, nas quais escreve sobre duas de suas paixões: televisão e literatura. Inquieta por natureza, prefere a ansiedade de sair da zona de conforto à comodidade de fazer sempre a mesma coisa. Participa do Curso Livre de Formação de Escritores da Editora Metamorfose.


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